Alguns dos principais desafios que a pandemia da COVID-19 trouxe prendem-se com pensar em formas seguras de tratar e acompanhar doentes com outras patologias, protegendo-os, ao mesmo tempo, do contágio pelo novo coronavírus. Uma dessas condições é a disfagia e/ou motricidade oral disfuncional - uma condição incapacitante que provoca dificuldades no momento da deglutição – cujos pacientes necessitam de apoio no momento da alimentação e, consequentemente, faz com que os profissionais tenham de se aproximar da boca e nariz dos mesmos.
Tendo isto em mente, um grupo de investigadores das Faculdades de Engenharia e Medicina, em parceria com o Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, resolveu colocar mãos à obra. “Sendo a cavidade oral a porta de entrada do nosso organismo e, a par do nariz, a principal estrutura anatómica a proteger no âmbito da COVID-19, temos procurado encontrar soluções que possam ser úteis nesse âmbito”, refere Miguel Pais Clemente, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
À semelhança do que aconteceu em maio de 2020, quando surgiu a ideia de criar um escudo protetor para dentistas, também desta vez Miguel Pais Clemente, juntamente com o professor da FMUP José Manuel Amarante, resolveu “atravessar a rua” e voltar a unir esforços com Joaquim Gabriel Mendes, da Faculdade de Engenharia da U.Porto. Aos três investigadores juntou-se ainda Catarina Aguiar Branco (Diretora do Serviço de Medicina Física e Reabilitação do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga e docente na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto), reunindo-se assim a equipa que fez nascer uma máscara protetora que impede a propagação de aerossóis do doente para o profissional de saúde e vice-versa.
Esta máscara destina-se sobretudo a doentes com disfagia, idosos institucionalizados em lares e a doentes internados em regime hospitalar. Utilizando-a durante as refeições, haverá uma barreira adicional de proteção que permite que o paciente coma sem ter que retirar a máscara. Tendo em conta a situação pandémica, esta é uma proteção eficaz contra aerossóis e gotículas respiratórias, sendo especialmente útil em pacientes com “alterações da motilidade faringo-laríngea e/ou com frequentes obstruções respiratórias e tosse, uma vez que essas condições provocam emissão de resíduos alimentares e aerossóis”, explica o investigador José Manuel Amarante.
A principal vantagem da máscara face a outras soluções existentes atualmente é “ser constituída por dois componentes um superior e inferior. Sendo que o inferior, que recobre o nariz e a cavidade oral, é amovível, transparente e fácil de limpar”, explica Joaquim Gabriel. Isto permite não só alguma proteção física, mas também que nariz e boca fiquem visíveis, facto especialmente útil, por exemplo, em exercícios de terapia da fala ou de reabilitação para a própria disfagia. Recorrendo a esta máscara o profissional de saúde consegue visualizar e avaliar a deglutição dos alimentos e, assim, ajudar de forma mais eficiente o paciente.
Da Universidade para o mercado
A missão desta equipa, que assume a sua multidisciplinaridade com uma mais valia pelas competências envolvidas, é garantir que a saúde, mesmo em tempos de pandemia, não é negligenciada. Como refere Catarina Aguiar Branco, não foram poucos os relatos de pacientes não COVID que, por vezes, “deixaram de realizar os seus tratamentos pelo receio de algum eventual tipo de contágio”.
Esta máscara, acreditam os investigadores, pode ser uma solução útil para situações como estas, garantindo ao doente que está seguro e que pode continuar a confiar no seu tratamento. Assim, é fundamental chegar rápido aos hospitais.
Depois de enviada a comunicação de invenção à U.Porto Inovação, foi submetido um pedido provisório de patente nacional junto do INPI. Agora, a equipa está concentrada em passar à fase seguinte – a da comercialização – estando já em negociações com a Simoldes para a eventual produção industrial.
Passada a fase do design, seleção de materiais e orçamentação, “será depois produzida uma pré-série do produto de modo a que possa ser testado por um grupo de potenciais utilizadores”, refere Miguel Pais Clemente. Assim, a equipa poderá melhorar algum aspeto ou até incluir funcionalidades extra para chegar ao produto final e, passando a redundância, entrar finalmente no mercado.
Joaquim Gabriel Mendes acredita que este passo não será difícil uma vez que a máscara não entra na categoria de dispositivos médicos – habitualmente sujeitos a processos mais longos e delicados de autorização. No entanto, refere o investigador, é sempre necessário avaliar certas características da máscara como por exemplo “o contacto com a pele, de modo a que não cause alergia, seja suave e agradável ao toque” refere. Tendo em conta todas estas etapas e ainda a componente comercial (rede de distribuição, definição de preços, planeamento, publicidade, etc.), os investigadores acreditam ser possível chegar ao mercado em seis meses.