É uma inovação que promete melhorar significativamente o diagnóstico de patologias do aparelho digestivo e nasceu na Universidade do Porto. São, ao todo, três tecnologias baseadas na endoscopia por cápsula, reunidas numa plataforma a que a equipa chamou DIGEST AID.
Tudo partiu de uma “necessidade de simplificar a leitura dos vídeos de endoscopia por cápsula”, refere Miguel Mascarenhas, aluno de doutoramento da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e um dos inventores envolvidos na criação. A endoscopia por cápsula é um exame minimamente invasivo e muito utilizado no estudo endoscópico do intestino delgado por exemplo em doentes com doença inflamatória intestinal ou hemorragia/anemia de causa indefinida. Muitas vezes, a endoscopia é complementada com uma colonoscopia por cápsula, que permite a avaliação da totalidade do tubo digestivo num só vídeo.
Apesar de serem exames clinicamente muito relevantes para um bom diagnóstico, a leitura dos vídeos gerados na endoscopia por cápsula “é morosa e consumidora de recursos clínicos valiosos”, explica Miguel Mascarenhas, acrescentando que um único exame pode gerar “cerca de 50 mil imagens, o que pode levar a um significativo risco de perda de lesões graves como tumores, úlceras e/ou lesões com elevado potencial de hemorragia digestiva”, refere.
Assim, de uma necessidade nasceu uma invenção para lhe dar resposta: a plataforma de Inteligência Artificial DIGEST AID. O sistema junta a elevada capacidade dos mecanismos de Inteligência Artificial (IA) na análise e classificação de imagens à importância clínica da endoscopia por cápsula na “orientação terapêutica e diagnóstica de patologias diversas”, explicam os investigadores.
Três tecnologias, um único propósito: melhorar a qualidade de vida dos pacientes
São três tecnologias que permitem não só a deteção de achados endoscópicos de relevo, mas também a sua posterior reclassificação: “O nosso modelo é evolutivo, melhorando progressivamente com o aumento do número de imagens e rondas de treino”, diz Miguel Mascarenhas. A tecnologia Deep Capsule, por exemplo, permite a deteção e diferenciação das lesões endoscópicas mais relevantes. O mecanismo de IA (criado pelos investigadores) também permite uma “imediata estratificação do risco de hemorragia de cada lesão”, explicam. É, por isso, uma tecnologia com enorme aplicabilidade tanto no diagnóstico como na terapêutica de doentes com anemia, hemorragia digestiva, doença inflamatória intestinal e patologia oncológica digestiva.
Adicionalmente, o grupo de investigadores tem também uma forte presença na área da colonoscopia por cápsula, método que, acreditam, pode “ser o futuro da avaliação endoscópica não invasiva do tubo digestivo”. Assim, a tecnologia GI SPY permite uma avaliação da totalidade do tubo digestivo usando uma ferramenta de IA desenvolvida também pela equipa, desta vez especificamente para colonoscopia por cápsula. “O GI SPY torna numa realidade o conceito de panendoscopia não invasiva num único exame”, refere Miguel Mascarenhas.
Por fim, mas não por último, IBD Smart, mais focada na doença inflamatória intestinal, uma patologia que requer uma avaliação minuciosa da mucosa do intestino delgado e cólon. Além disso, como explicam os investigadores, “essa necessidade mantém-se mesmo depois do diagnóstico inicial da atividade inflamatória, já na fase de avaliação da resposta ao tratamento farmacológico”. Assim, a DIGEST AID inclui também uma solução específica para esta submodalidade de endoscopia por cápsula que já foi, inclusivamente, alvo de publicação na revista de maior relevo na área da doença inflamatória intestinal (Journal of Crohn and Colitis) e selecionada como um dos 10 melhores trabalhos no congresso europeu dedicado à doença.
Multidisciplinaridade na U.Porto ao serviço da saúde
Ao todo, a investigação envolve nove inventores. Entre eles encontram-se Miguel Mascarenhas, Hélder Cardoso, Patrícia Andrade e Guilherme Macedo, com afiliação à Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e ao Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ). Já da parte da Faculdade de Engenharia (FEUP) participam João Ferreira, Marco Parente e Renato Natal. Também do CHUSJ estão envolvidos João Afonso e Tiago Ribeiro.
Tendo submetido já três pedidos de patente para as três tecnologias acima descritas, neste momento os investigadores estão focados no desenvolvimento progressivo das invenções e na maturação do Technology Readiness Level. Além disso, estão também atentos ao estabelecimento de “parcerias e sinergias catalisadoras do projeto”, concluem, para que as tecnologias possam chegar brevemente ao mercado.