Atualmente, a decisão sobre o tratamento para doentes com cancro no sangue, ou leucemia, é baseada principalmente em alterações genéticas. Contudo, essa abordagem nem sempre é eficaz, principalmente para doentes com doença recidivante ou refratária. É nesse contexto que surge, pelas mãos de investigadores do i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto, o projeto «MYLeukaemia Therapy Guidance Chipset», o vencedor da edição 2024 do BIP Acceleration, iniciativa da U.Porto Inovação, dirigida a equipas da Universidade que queiram testar e validar o modelo de negócio da sua ideia.
Explicada de forma simples, a MYLeukaemia é uma plataforma que recria, em laboratório, um “avatar” da medula óssea humana, usando tecnologia de ponta chamada “Organ-on-Chip”.
Este avatar permite testar, de forma ex vivo (fora do corpo), como as células cancerígenas de cada doente reagem a diferentes medicamentos. Desta forma, será possível prever qual o tratamento mais adequado para cada paciente, com base numa análise personalizada. O projeto já provou que os avatares de medula óssea humana recriam fielmente muitas das alterações patológicas observadas nos doentes com leucemia.
Assim, a inovadora plataforma “promete transformar a forma como os médicos tratam doentes com cancros no sangue, ao permitir uma abordagem personalizada na escolha das terapias mais eficazes”, referem os investigadores. Diferencia-se por integrar tanto as alterações genéticas das células tumorais como o “microambiente da medula óssea, que é muitas vezes o refúgio das células cancerígenas contra os tratamentos”, acrescenta a equipa formada por Hugo Caires (i3s), Sílvia Bidarra (i3s), Mariana Magalhães (i3S/FEUP), Hugo Prazeres (i3s) e Cristina Barrias (i3S/ICBAS).
A MYLeukaemia pode trazer uma nova luz para a estratificação do risco dos pacientes e a seleção de terapias mais direcionadas, sobretudo para aqueles doentes que, até agora, têm uma resposta incerta perante os tratamentos atuais. “Ainda que a cura total não seja o objetivo imediato, esta tecnologia pode ajudar a melhorar significativamente a gestão da doença e, a longo prazo, abrir caminho para novas terapias”, projeta a equipa.
Conquistar o primeiro lugar no BIP Acceleration é, para o grupo, “extremamente significativo”. O prémio, no valor de 5.000 euros, além de demonstrar reconhecimento pelo caráter transformador da plataforma, permitirá um avanço nos ensaios pré-clínicos ex vivo. A equipa já havia garantido um financiamento de 49 mil euros através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).
Os próximos passos serão validar a plataforma com amostras tumorais de doentes reais, num estudo piloto.
Alargar o acesso a energia acessível e uma goma contra a obesidade
No segundo e terceiro lugares do BIP Acceleration 2024 ficaram, respetivamente, os projetos UPWIND e OCEAN-SLIM-G.
UPWIND é uma tecnologia que proporcionará energia elétrica de forma limpa, com portabilidade, baixo custo operacional e sem necessidade de reabastecimento de combustível. “Um gerador portátil e de rápida e fácil instalação para produção de eletricidade com base em energia renovável”, diz Fernando Fontes, investigador da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) e líder do projeto.
Da equipa fazem parte também: Luís Tiago Paiva, Manuel Fernandes, Sérgio Vinha, Rui da Costa, Conrado Costa e Gabriel Fernandes, todos da FEUP; Dalila Fontes, da Faculdade de Economia da U.Porto (FEP); e Luís Roque, do Instituto Superior de Engenharia do Porto – ISEP.
Segundo os investigadores, “as necessidades de energia elétrica atuais não estão adequadamente satisfeitas em muitos locais onde a rede elétrica não está disponível ou é insuficiente”. Falamos, por exemplo, de comunidades remotas ou sítios com necessidades temporárias de eletricidade como construções, minas, ou locais de eventos. Os geradores a combustível que, por norma, são utilizados nestas situações, além de muito poluentes têm elevados custos de operação.
E foi esta a motivação principal para a criação do UPWIND, que já tem protótipos a funcionar “em ambiente controlado” e cujos próximos passos são “desenvolver ainda mais a ideia para chegarem a um mínimo produto viável que terá de ser validado e certificado”, avança a equipa.
Recorde-se que o projeto UPWIND conquistou o 3.º lugar na edição 2024 do iUP25k, e também foi um dos selecionados na última de edição do BIP Proof, um programa de financiamento para ideias inovadoras.
Já o projeto OCEAN-SLIM-G (Oceanic Cyanobacteria Unlocking Appetite and Nutrition Solutions with a Gummy) propõe uma goma eficaz e segura, inspirada no oceano, para reduzir o apetite e combater o excesso de peso. Foi desenvolvido nos laboratórios do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da U.Porto (CIIMAR) por Ana Catarina Fonseca, Ana Rita Vieira, Filipe Henriques, Mariane Bittencourt Fagundes e Ralph Urbatzk.
A criação desta goma inovadora teve como motivação a crise global da obesidade, associada a grandes riscos para a saúde como diabetes, doenças cardiovasculares, cancro ou declínio cognitivo.
Os medicamentos utilizados atualmente para combater a obesidade são dispendiosos e, muitas vezes, têm efeitos colaterais. Assim, o OCEAN-SLIM-G visa oferecer uma solução sustentável, utilizando um extrato de algas otimizado para criar uma goma acessível e eficaz no controlo do apetite.
"É muito importante levar o conhecimento que geramos para o serviço da sociedade"
Foram as palavras proferidas por Pedro Rodrigues, Vice-Reitor da U.Porto para a Investigação e Inovação, no momento que antecedeu o anúncio dos vencedores do BIP Acceleration 2024.
“Os projetos foram muitos, e muito bons, vindos de diversas áreas. Enquanto Vice-Reitor na área da Investigação e Inovação fico muito satisfeito em ver tantos projetos que podem chegar ao mercado”, referiu Pedro Rodrigues, que aproveitou ainda para agradecer o trabalho de todos os participantes, bem como ao júri constituído por Raquel Gaião Silva (Faber), Raphael Stanzani (UPTEC) e Rodrigo de Alvarenga (Porto Business School).
Para esta terceira edição do BIP Acceleration foram selecionadas nove equipas que, ao longo de quatro sessões, receberam formação e mentoria para ajudar a alavancar os seus projetos, todos eles com génese na investigação da Universidade do Porto.
A grande final do programa decorreu no passado dia 22 de outubro, nas instalações da Porto Business School, parceira desta edição.
O BIP Acceleration 2024 teve o apoio da Caixa de Geral de Depósitos e a parceria da Porto Business School e da UPTEC.