Jorge Gonçalves foi Vice-Reitor da Universidade do Porto para a Investigação, Desenvolvimento e Inovação entre 2006 e 2014. Durante esse período, entre outras responsabilidades, tinha a U.Porto Inovação a seu cargo.

Recorda que os primeiros tempos da U.Porto Inovação, na altura UPIN, foram muito intensos. Felizmente, na sua opinião, a equipa era muito focada e empenhada e, por isso, as tarefas foram levadas a bom porto.

“As minhas expectativas, ou melhor, o meu objetivo, era cumprir o que o Reitor, o Professor Marques dos Santos, se tinha comprometido a fazer no seu programa eleitoral: aproximar a U.Porto da sociedade e contribuir para o seu desenvolvimento.”, refere.

 

1. A que U.Porto Inovação chegou quando tomou posse?

Quando cheguei, a U.Porto Inovação era um projeto recente. Estava a dar os primeiros passos e estava quase exclusivamente focada em questões de propriedade industrial (PI) e a iniciar a ligação da U.Porto às empresas. A equipa era muito pequena, tinha apenas quatro elementos, e as tarefas eram imensas e de difícil execução. Fomos aprendendo fazendo, porque contávamos na UPIN com um núcleo fundador muito empenhado na sua missão.

A cultura da U.Porto em termos de inovação e de gestão da PI era muito assimétrica. Havia que usar toda a diplomacia. As unidades orgânicas (UO) com mais histórico em inovação e transferência de conhecimento viam na intervenção da UPIN uma intromissão e um risco para a sua autonomia. Já as mais afastadas deste processo viam nesta iniciativa um modo de “mercantilização” da Universidade. De “neoliberalismo”, como lhe chamaram.

Foram tempos muito “intensos”. Quase de bipolaridade. Estávamos a fazer na U.Porto algo que ainda não tinha sido experimentado noutras universidades portuguesas. Ter um gabinete de inovação dentro da Universidade para salvaguardar o conhecimento gerado pela universidade e proteger os seus inventores. 

Pretendia-se fazer tudo e ao mesmo tempo: disciplinar a transferência de conhecimento e tecnologia para a sociedade como modo de valorizar os resultados de investigação e a atividade inventiva; disciplinar, com equilíbrio, as ligações com as empresas sem que estas vissem nas novas regras uma hostilização face à prática habitual de ligação direta e informal, legalmente mal acompanhada e frequentemente geradora de mal entendidos e disputas entre empresas e inventores. 

 

2. Quais eram as suas expectativas para a equipa e para o trabalho a desenvolver?

As minhas expectativas, ou melhor, o meu objetivo, era cumprir o que o Reitor, o Professor Marques dos Santos, se tinha comprometido a fazer no seu programa eleitoral: aproximar a U.Porto da sociedade e contribuir para o seu desenvolvimento. Entendíamos que a Universidade dificilmente sobreviveria numa comunidade pobre e incapaz de valorizar o saber. 

A U.Porto Inovação era um elemento-chave nessa aproximação; para concretizar um modelo de aproximação da U.Porto à sociedade, capaz de promover um ciclo de crescimento e enriquecimento virtuoso. 

Procurámos reunir uma equipa capaz de o fazer. Apoiámos o mais possível a sua formação e tentámos dar-lhe as melhores condições possíveis para serem bem-sucedidos. Este foi o primeiro objetivo. O segundo foi conseguir que a equipa fosse reconhecida pela comunidade como um instrumento de apoio e não de policiamento; que fosse reconhecida como uma ajuda para os investigadores serem mais bem-sucedidos na sua relação com as empresas; que as empresas vissem na UPIN um ponto facilitador do contacto com uma universidade imensa e cheia de talento, mas de difícil penetração. 

Esta foi a nossa maior preocupação. Não as traduzimos em expectativas. Sabíamos que tínhamos de reunir isso para iniciar o processo. Depois disso, confiávamos que o “céu era o limite” tal era a nossa confiança no talento da nossa comunidade académica.

 

3. Que objetivos conseguiu alcançar e quais ficaram pelo caminho?

Colocada a questão na primeira pessoa, eu dei a minha contribuição para a criação e consolidação da U.Porto Inovação. Pelo mérito da equipa, tornou-se reconhecida e respeitada dentro e fora da U.Porto. Transformou-se num modelo de ação. A U.Porto, através da U.Porto Inovação, integrou equipas internacionais de promoção de boas práticas de inovação e transferência de conhecimento da universidade para a sociedade.

Poderíamos ter ido mais longe, se tivesse sido possível que a U.Porto Inovação interviesse em todas as unidades do perímetro da U.Porto, nomeadamente nos institutos de interface. Entende-se a delicadeza do assunto dada a participação de outros parceiros nessas instituições. Mas essa fragmentação tirou à U.Porto capacidade. Podia ter-se ido mais longe e criado um gabinete com maior dimensão e com outra capacidade de intervenção a nível internacional. Não seria impossível, mas teria sido necessário um nível de confiança e vontade para conciliar as partes que, na altura, não tivemos capacidade para fazer. 

 

4. Que atividades destaca nos anos em que esteve à frente da U.Porto Inovação?

Para além da consolidação do gabinete, lembro a elaboração do quadro regulamentar com os regulamentos de PI, de spin-offs; a criação do Clube de Empreendedorismo; as edições do IJUP empresas; a tentativa (não conseguida) de criar uma base de contactos para uso partilhado de equipamentos e recursos partilhados. 

Lembro também as longas negociações para venda de PI a terceiros. Lembro também a satisfação de ver a U.Porto Inovação ser tão bem aceite e a ser procurada constantemente pela comunidade da U.Porto, o que demonstrava o reconhecimento que a equipa foi capaz de conquistar.

 

5. A que necessidades acredita deve responder uma equipa deste género?

A universidade que formou a maioria dos universitários até à minha geração era uma universidade que transmitia o conhecimento apenas através dos estudantes que formava. Estes eram vistos como a razão única da missão da universidade. Era através dos estudantes que a universidade transferia para a comunidade as competências que necessitava para se desenvolver.

Era um modelo que fazia sentido quando o conhecimento se renovava lentamente e a formação dos estudantes tinha a “validade” de toda uma carreira profissional. Era suficiente enquanto a sociedade não tinha necessidades além das que os seus graduados lhe eram capazes de dar. 

Este status quo alterou-se no último quartil do século XX. Na sociedade portuguesa, essa mudança notou-se mais tarde quando as empresas portuguesas tiveram que competir num mercado aberto e quando não nos conformamos com um modelo de desenvolvimento baseado em salários baixos.

A nova realidade alterou o modo de relacionamento da universidade com a sociedade. Se, no passado, bastava o balcão de matrículas dos estudantes, neste novo contexto há necessidade da criação de novas estruturas para se relacionarem com os novos “clientes” que procuram os serviços da universidade. 

Neste percurso, também a universidade e os universitários mudaram. A dinâmica da investigação e a integração dos universitários em redes globais do conhecimento fizeram que muitos percebessem que havia algo que podiam disponibilizar, além da sua participação no ensino conferente de graus.

Uma unidade como a U.Porto Inovação é a estrutura fundamental pois está no nó de convergência destas duas necessidades. É fundamental para os diversos atores sociais, nomeadamente as empresas, identificarem quem os poderá ajudar a resolver os problemas que têm para resolver, e não só tecnológica e cientificamente. É fundamental para os investigadores e para a universidade para encontrar parceiros que possam beneficiar do conhecimento gerado na universidade. E é fundamental para que tal decorra com transparência e para que os benefícios de tal interação sejam distribuídos de forma justa. 

 

6. Na sua opinião, por onde passa o futuro da inovação na Universidade do Porto? O que falta fazer?

A inovação não acontece no vazio. Nasce da necessidade de resolver um problema. O futuro da inovação na universidade (e não é só na Universidade do Porto) passa por uma maior aproximação entre a universidade e quem tem problemas para cuja resolução podem ser úteis as competências da universidade. Sem conhecermos os problemas dificilmente poderemos encontrar soluções; sem conhecer a capacidade instalada na universidade, dificilmente a sociedade poderá perceber as soluções alternativas para os problemas que enfrenta.

Esta foi a nossa preocupação no início. Presumo que continua a ser seguida. Mas é óbvio que mais tem de ser feito. Se não o for, dificilmente teremos empresas capazes de produzir bens de grande valor acrescentado. Estaremos condenados a baixos salários e a maior perda de talento em Portugal.

O futuro passa também por alguma alteração na nossa formação pós-graduada. Eu acho que somos bons a formar doutores. Podemos não ter acesso aos meios e aos equipamentos que outros têm. Mas, em média, os nossos graduados têm uma formação científica muito boa e são capazes de responder ao “porquê” com qualquer graduado de outra instituição de referência internacional. E saber como chegar ao “porquê” é a base da boa formação científica.

Mas não chega. Temos de ser capazes de também os ajudar a responder ao “para quê”? De ajudar os doutorandos a aplicar o que aprenderam ao longo do seu doutoramento de modo a que com essa capacidade tenham mais possibilidades de ter uma oportunidade profissional mais estável.

Parece-me que este é um ponto em que há muito por fazer. No passado, tudo era mais estático e previsível. Um graduado sabia bem o que a sociedade esperava dele. Agora, tudo é mais dinâmico e imprevisível. As necessidades sociais são muito mais diversas e dinâmicas e a oferta formativa mais diversa. Para estes dois mundos se encontrarem, temos de ter na universidade estruturas que facilitem a ligação entre a universidade e a sociedade. É vital que isso aconteça. Sem inovação não haverá desenvolvimento e sem desenvolvimento a universidade dificilmente sobreviverá.

Dito isto, regressemos à questão: o que falta fazer? Falta fazer muito pois temos muitas empresas a necessitar de inovação e doutorados sem emprego! Há uma crise gritante de gestão de talento. Também teremos que alargar o conceito de inovação à inovação social.

Não são só as empresas que precisam de inovação. Toda a sociedade precisa. Especialmente na área das ciências sociais e das humanidades. Esta dimensão é vital e, no entanto, tem sido tão ignorada. Sem ela, não entender a dinâmica social que vivemos e para encontrar soluções que evitem a repetição dos ciclos que, no passado, nos conduziram a situações de triste memória. E isso é uma tarefa inacabada, da responsabilidade de todos: dos universitários e da sociedade. Que o entenda também a classe política, especialmente quando exclui as universidades e o sistema científico, das estratégias de desenvolvimento nacional.