Como se tem mostrado frequente quando conversamos com os nossos investigadores, também João Ventura afirma que a curiosidade científica foi algo que sempre coexistiu com o seu imaginário de criança. Na altura ainda não se falava na profissão de investigador, mas foi mesmo esse o caminho que acabou por seguir.
Foi um caminho “rodeado de livros” que levou João Ventura ao início da promissora carreira de investigador. O cientista acredita que esse início, “essa liberdade de criação que a leitura oferece”, ainda em criança, foi fundamental para desenvolver a sua curiosidade científica: “Talvez mais importante que fornecer às crianças direções para as profissões que poderão seguir, que na verdade ainda não sabem quais são, é dar-lhes a liberdade para o desenvolvimento saudável e livre de pensamento. A Ciência surgirá como consequência dessa liberdade.”, conta. E surgiu mesmo, começando pela licenciatura em Física na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), um mestrado em computação e um doutoramento em Física. Em 2008 ingressou no Instituto de Física de Materiais Avançados, Nanotecnologia e Fotónica da Universidade do Porto (IFIMUP), onde se mantém até hoje como investigador principal.
Quando questionado acerca da escolha da Física para o seu percurso académico e profissional, João Ventura afirma acreditar que este ramo da ciência terá um papel fundamental no futuro e na atuação das exigências que nos esperam. Apesar de ser difícil afirmar que outras áreas do saber serão relevantes neste futuro, o investigador acredita que a Física “desempenhará uma função de ligação entre diferentes áreas de investigação, tecnologia e inovação”, uma vez que é uma “área científica de raiz, capaz de ramificar e dar frutos em muitas outras”.
“Além desses frutos”, acrescenta João Ventura, “a Física permite que a ação científica seja verdadeiramente transformativa e capaz de responder às exigências de sobrevivência que se aproximam”. Assim, e mesmo tendo tudo começado com a curiosidade inicial de uma criança, a paixão pela Física “tem vindo a transformar-se em motivação de urgência e necessidade”, conta.
“Gerar energia elétrica de forma simples e barata”
Consciente do importante desafio ambiental que vivemos, neste momento a área de investigação de João Ventura está bastante focada na transformação de diversas formas de energia (particularmente energia mecânica) em energia elétrica útil. “Estou a usar o efeito triboelétrico, um fenómeno conhecido há muito tempo, que consiste na eletrificação de dois materiais (por exemplo vidro e lã) quando estes são friccionados, de um modo novo que permite gerar uma corrente elétrica”.
Apesar de, como referiu, este fenómeno já ser conhecido há muito tempo, só com o aparecimento da nanotecnologia é que foi possível utilizar o seu efeito de forma útil. “No meu caso, tenho estado a aplicar este efeito em diversos campos relacionados com a geração de energia elétrica e alimentação de sensores para a internet das coisas que vai revolucionar o nosso dia-a-dia.” Este trabalho dos últimos anos do percurso de João Ventura levou, inclusivamente, à criação da inanoE, uma empresa spin-off da U.Porto da qual o investigador é CEO.
Em colaboração com a Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) e o INEGI, João Ventura e a sua equipa têm vindo a demonstrar como os nano geradores triboelétricos podem ser aplicados para aproveitar a energia das ondas do mar para gerar energia elétrica de uma forma simples e barata. A par disso, tem estado também a trabalhar com empresas como a Repsol, testando “como se pode aproveitar este efeito para gerar energia elétrica aproveitando o movimento de fluidos em tubagem”, explica. O objetivo é ajudar cada vez mais o planeta, de forma sustentável, no importante desafio energético que tem pela frente nos próximos anos.
Contribuir para uma vida sustentável
“Contribuir para que na fase adulta da minha filha a vida no planeta seja sustentável” – é este o maior sonho de João Ventura no que ao seu trabalho diz respeito. Atualmente, a complexidade da vida exige um preço energético que “pode ser o da própria vida no planeta”, refere João Ventura. Assim, o investigador gostaria de poder contribuir o mais possível para a sua preservação, contribuindo para a investigação de formas alternativas de recolha e armazenamento de energia: “Esse é um esforço coletivo no qual me agrada estar envolvido e o sonho é que este esforço não seja em vão”, refere.
Na sua opinião, a Universidade do Porto é um local privilegiado para atingir isso mesmo. “É uma Universidade flexível, com a liberdade necessária à diversidade da dinâmica do conhecimento. A multidisciplinaridade presente na Universidade do Porto e a competência das suas pessoas permite ir a uma investigação mais aprofundada”, diz.
Ao mesmo tempo, o investigador acredita que é necessário melhorar a permeabilidade entre as diferentes áreas do conhecimento dentro da U.Porto, de forma a garantir “uma identidade da investigação científica à escala da universidade e não apenas de faculdades ou mesmo de departamentos”, diz. “Aquilo que as próximas décadas nos vão exigir é um sucessivo aumento de escala identitária e o mesmo sucederá com a investigação. Penso que a escala da Universidade do Porto será um bom primeiro passo para uma investigação articulada que funcione como um único sistema, complexo e adaptativo”, conclui João Ventura. Na sua opinião, enfrentar esse desafio será a melhor forma de garantir “o avanço da investigação como motor de conhecimento e não satélite de uma dinâmica de economia que lhe seja alheia”.